25 junho 2009

Ainda não sei

- Eu não acredito. Sinceramente não consigo perceber como é que consegues ser tão céptico em relação ao tarô? Está tudo ligado, todos os seres são ligados por energia e tudo é energia.
- Não consigo acreditar nessa arte de adivinhação. Na parte que falas em energia, até acredito. – eu tinha de meter uma piadinha só para irritá-la – Para mim cartas são para se jogar à sueca e só 40 na mesa. – obviamente que tive de dar uma risada. E não esboçava qualquer tentativa de rir. A piada era básica.
Uma hora de conversa e as suas sardas ainda não me tinham convencido que 78 cartas me ditavam o destino, ou como ela dizia. - As cartas só te indicam caminhos, possibilidades que não são nada certas, nada é certo na vida. Tu é que escolhes o teu caminho.
Um encolher de ombros esclareciam a minha resposta, mas sou muito curioso e preciso de ver para crer como São Tomé diria.
A Luísa é uma boa amiga e não a vou desiludir.
- Bruxinha – carinhosamente assim a tratava – vamos lá, estou de espírito aberto, lança lá as cartas.
- Não vou lançar para tu continuares a gozar comigo.
- Juro.
A lua estava cheia e estávamos em casa dela, a casa de Campolide de Cima. A decorar a sala tinha dois grandes tapetes persas e a iluminá-la tinha um candeeiro cheio de design, que não combinava em nada com os tapetes. Mas quem é que se lembra de meter tapetes nas paredes? Só mesmo a minha bruxinha. Ao centro tinha uma mesa de mogno com uma meia toalha a meio da mesa quase da mesma cor da madeira. As cartas ainda estavam na caixa riscada com dourados que um persa lhe deu quando da compra dos tapetes.
Primeiro veio o pedido para eu me concentrar. Os olhos dela fechou-se, deixo cair os braços e sacodi-os como que a libertar todas as energias negativas. Ao mesmo tempo a cabeça tende um pouco para baixo. O movimento inverte-se.
- Tens as pernas cruzadas? - Não tenho. - Dá azar enquanto se faz o lançamento das cartas, nada pode estar cruzado.
Vou-lhe perguntar como é que vai estar a minha saúde daqui a 20 anos.
- 20 anos portanto terás 48. Certo? – nem mais respondi com um acenar com a cabeça.
A primeira carta a sair para a mesa é Enamorados, posta em frente a essa Força seguida do Louco. Fazendo uma cruz, para o lado direito Imperatriz e para o outro lado o Imperador. Olha com atenção, faz umas contas de adição. Passa com a mão direita por cima das cartas como quisesse ler pelo tacto.
Com o meu olhar leigo para as cartas, daqui a duas décadas abro uma banca com um letreiro em cima a dizer “Dou ou vendo saúde”
Mas a cara dela indica que eu é que vou ser um desses clientes da minha banca.
- Se chegares ao 48 é uma sorte. – diz muito secamente, não faz nada o género dela. Deve ter mesmo encarnado o espírito de uma bruxa – Algo que pensas que irá ser bom para ti vai-se virar contra ti. – uma pausa prolongada e bebeu um trago de sumo de laranja – Mas irás ter sempre duas pessoas ao teu lado.
- Pois, está bem eu não acredito nisso. – só disse isso para espantar o que ela tinha escrito na minha alma. Morrer antes dos 48, nem pensar. Eu quero estragar os meus netos assim como a minha avó Natália me estragou com mimos. Coisas de avó.
- Tu é que me pediste para lançar as cartas e é isto que elas dizem. – e sobrevoa a mão por cima do quinteto – Como é óbvio espero que elas estejam erradas.
Nesse preciso momento que eu ia dizer já não sei o quê. Uma picadinha aflige-me o coração seguida de uma dor muito forte que me deixa estendido no chão. Quando acordo tenho a Bruxinha ao meu lado mas não vejo os tapetes horríveis porque o hospital não tem o mesmo mau gosto da Bruxinha. Pois é, o hospital de Santa Luzia vai ser, durante 5 anos, um local que eu irei frequentar todos os meses só uma vez. Tive um AVC. Ou foi da ruindade ou graças a ser feio que Deus não me quis a seu lado.
Um metálico pacemaker irá acompanhar-me até sete dias antes de eu fazer 48 anos até eu passar por um detector de metais avariado e me parar o pacemaker como que um relâmpago.
Não posso embarcar no avião porque tenho um pacemaker. Foi a piada que eu disse a mim mesmo enquanto o meu cérebro não morria. E nesse instante ouço a voz da Bruxinha perguntado me afirmativamente - Não há coincidências pois não?
Só nessa altura, num desses breves acessos de clarividência, me ocorreu que nada era isento de sentido, que tudo no mundo está relacionado com tudo o resto.

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